Grau Zero, um corpo que espera (2018)

Ficha Artística:

Concepção e coreografia – Elisabete Magalhães
Desenho de Luz – Wilma Moutinho
Video – Elisabete Magalhães
Interpretação – Júlio Cerdeira
Co-Produção – TNSJ/ESMAE (Projecto Integrado no Mestrado em Artes Cénicas)

 

SINOPSE

Entre as inquietações que impulsionaram a construção deste trabalho estão aquelas vinculadas ao silêncio e a suas possíveis implicações para a dança, cujos apontamentos conduziram a observação de suas configurações no interior da obra de Andrei Tarkovski, Merce Cuningham e Nijinski. Deste modo, reservo-me à pormenorização do silêncio, passeando entre a linguagem e as manifestações artísticas, com vistas a discuti-lo e como ele chega aos espectadores. Buscar no corpo a percepção do meu movimento, enquanto enunciador de falas implica que ele apareça em estados provisórios, de transformação, inquietação, permeabilidade, reflexão, ele próprio vai-se constituindo como um corpo, que é aquilo que somos ao longo da nossa vida, um estado de colecção de informações.
O trabalho é uma pesquisa sobre o corpo, imobilidade e silêncio. Uma tentativa de evidenciar a microscopia corpórea, dar ênfase à noção de corpo próprio, destruindo a ideia de corpo objecto. Proponho escutar o corpo e reagir a essa escuta.
Uma necessidade que sinto e tenho em pensar o sujeito numa relação directa com o mundo e consigo mesmo. E isto leva-nos a entender o corpo próprio como sujeito de percepção na sua facticidade no mundo envolvente. Num século como este em que a sociedade vive numa aceleração permanente à qual Byung Chul Han chama de sociedade de cansaço, questiono-me se as pessoas não necessitam de fazer uma paragem e escutarem-se. Num sistema do idêntico, onde não faz sentido reforçar as defesas do organismo (corpo), porque não há estranhamento, tal como um vírus que se instala ou se aloja no corpo e se combate, esta super abundância de informação leva a um esgotamento, fadiga e sensação de sufoco.
Propriedade sistemática inegável do corpo humano é esperar. Numa reflexão aprofundada sobre esperança deverá começar-se por essa essencial tendência para o futuro, que caracteriza todo o ser vivo e mesmo toda a realidade cósmica, uma vez que está sempre em evolução. De facto, o cosmos, desde a sua origem é em processo, do verbo latino “procedo”, avançar, ir para diante.
Segundo Anselmo Borges, dentro dos modos de existir para diante, na orientação do futuro, só quando se chega ao nível do ser vivo que precisa de buscar e procurar para viver, é que dizemos que a tendência para o futuro se configura como “espera”, podendo chegar a ser “esperança”. Desde o nascimento até à morte, entre a esperança e o medo, os dois polos contrapostos, o animal vive permanentemente orientado para o futuro e modelando a sua espera constante na busca do que precisa para viver. Portanto o animal e o homem esperam.
Esperamos pelo autocarro, esperamos por alguém, por um exame e até mesmo pela morte, mesmo que não queiramos pensar nela, ela  faz parte da condição humana.” O homem é realidade “aberta”, inconclusa” e “pretensiva” (pratensio est vita hominis), no sentido que o homem tende sempre para diante, para o futuro, de tal modo que todos os seres humanos morrem inacabados e a morte aparece como algo de “ impróprio””. (A.Borges: Corpo e Transcendência).

Como converter a teoria e as imagens que constroem o corpo, a sua identidade mais íntima e profunda? Como figurar o invisível? Como se argumenta o silêncio?
Indagar o silêncio para mim implica um estado livre de intenção e simultaneamente um modo de discurso, seja ele político, de resistência ou de urgência.

Elisabete Magalhães